sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Por mais imagem e som: museu, memória e futuro

Por Éder Rodrigues
 
Na sociedade contemporânea do espetáculo, as imagens e os sons são elementos integrantes e 'quase' inseparáveis da vida social de nossa cultura ocidental. A mensagem visual e sonora produzida e registrada por meio de diversas plataformas pode ser óbvia, mas também pode ser sutil e subjetiva. A imagem pode ser entendida para além do olhar, assim como os sons não se limitam aos ouvidos. São locais e globais. São linguagens universais e não se enquadram em fronteiras. Imagens e sons também são patrimônios culturais.
 
Na perspectiva da complexidade do pensamento ameríndio e africano, base também da constituição sociocultural do Brasil, o visual e o sonoro ganham outros valores, para além da nossa limitada leitura ocidentalizada e insistentemente colonizadora da vida. Com a facilidade de acesso à tecnologia, os povos tradicionais também fazem seus sons e suas imagens. Temos o privilégio no Brasil de conviver com povos que mantêm um multinaturalismo, termo complexo, ainda por ser valorizado e reconhecido nas instâncias político-culturais. 
 
O Estado de Roraima é um laboratório imagético e sônico. Por meio das imagens e dos sons, temos a possibilidade de viajar no tempo em que a Amazônia foi inventada, interpretada. Viajantes e cronistas desenharam uma realidade social, cultural e, sobretudo, estética. Temos a possibilidade de estudar o que ficou: registros, desenhos, gravuras, filmes, fotografias, dentre outras produções que revelam o quanto estes elementos podem contribuir para a construção ou desconstrução da história de um povo.
 
No entanto, falta abrigo para esta memória. É convergência entre as pessoas que se interessam pelo tema que, pouca mobilização e desinteresse político da sociedade atrapalham a reflexão deste tema. Este debate, no mínimo, precisa ter perspectiva política, sócio-histórica e antropológica. Artistas, pesquisadores, professores, estudantes, autoridades e a sociedade em geral têm discutido a importância de reunir estes elementos visuais e sonoros para ampliar o conhecimento e democratizar o saber. É importante pensar além das áreas culturais que preservem aspectos biológicos e coleções diversas.
Dança do parixara, registrada na região atualmente denominada Roraima, no começo do século XX, pelo etonológo alemão Koch Grünberg.
Imagem: Philips Universität Marburg, Museum für Völkerkunde Berlin. Site: Füllgrafianas
No Brasil e no mundo, registram-se boas experiências de espaços culturais com ênfase na segmentação, tornando-se museus disputados e modernos, frequentados por pessoas não especializadas e por estudantes. É o caso dos museus descobertos, por exemplo, pelas lideranças indígenas (PA, AM, DF) em que a memória cultural dos povos indígenas vem sendo valorizada. Os exemplos de Museus específicos no Brasil e no mundo mostram como a criatividade de diversos segmentos culturais pode ser potencializada.
 
Roraima tem muito mais a oferecer. Mas precisa de inovação. Temos mais de 20 Museus da Imagem e do Som (MIS) instalados nas capitais brasileiras e neles são realizadas muitas atividades que favorecem o aprendizado. São museus contemporâneos, com cara de século XXI. São Museus que valorizam os aspectos locais de cada Estado.

Um dos modelos instituídos ainda nos anos 70, é o Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS/SP), que hoje se constitui como um espaço que reúne rico acervo (assim como a Cinemateca Brasileira de São Paulo e o MIS/RJ), além de proporcionar diversão e entretenimento por meio de exposições, eventos culturais consolidados e ainda o laboratório de Novas Mídias, espaço focado na convergência de arte, ciência e tecnologia.

No MIS/SP também são oferecidos cursos teóricos e práticos em diversas áreas como cinema, fotografia, artes plásticas, dentre outros. O MIS/SP é vinculado ao Governo do Estado de São Paulo. Neste sentido, outras capitais estão desenvolvendo projetos similares, produzindo espaços de interação altamente qualificados. As universidades, Estado, Município, colecionadores e a sociedade em geral precisam ser parceiros neste processo, uma vez que o diálogo entre as instituições é decisivo para que os programas sejam executados com qualidade.

O Estado de Roraima precisa avançar quanto ao resgate da memória cultural a partir das imagens e dos sons, considerando o debate que emerge da própria sociedade, para que não se repitam fórmulas antigas, nas quais hoje se revelam em um conjunto de prédios sem uso, que servem apenas para críticas, muitas vezes, carentes de proposições e apontamentos para o futuro. Um projeto de Museu da Imagem e do Som debatido e pensado pela sociedade é um ganho histórico para todos. Afinal, precisamos de espaços culturais que dialoguem diretamente com nossa civilização da imagem.

Leia outro texto de Éder Rodrigues aqui.

* Jornalista, sociólogo, especialista em Marketing e Linguagem Audiovisual. Membro da ABD&C Curta Roraima e da Rede Audiovisual de Roraima. Servidor da UFRR. Email: ederaudiovisual@hotmail.com

sábado, 1 de outubro de 2016

Olhares estrangeiros de uma cidadã

Por Cláudia Nascimento

Como nômade que sou, estou acompanhando o andar destas eleições em várias cidades, especialmente Rio de Janeiro, Niterói, Belém e, onde moro, Boa Vista. Confesso que estou profundamente descrente de tudo, mas alguns lampejos me animam e é na hora que tomamos fôlego que conseguimos caminhar um pouco mais.

Rio de Janeiro e Niterói têm se tornado cidades estranhas para mim: não me reconheço em seus rumos. Entristeço-me com isso, mas ainda quero crer que o futuro deste País não é o quadro que se avista no horizonte, assustador, porque o fade-out não aponta sequência desse filme.

Belém está num campo movediço e inconsistente: uma terra de cego onde quem tem um olho é aleijado e, quem tem dois, é louco! A retórica domina a eleição e termos como "assistência técnica", "plano metropolitano", "instrumentos do Estatuto das Cidades" são compreendidos como propostas de governo e não como ferramentas de gestão. Apenas dois candidatos têm discurso compatível com a lógica de gestão de uma cidade, mas um aporta como pirata, ou Robin Hood às avessas, roubando votos dos esclarecidos que, no segundo turno, serão migrados para o grupo mais conservador e retrógrado da Amazônia.

Sobre Boa Vista, tem-se uma aparente definição em primeiro turno. Digo "aparente" pois estou vendo a partir do lugar onde estou e não da zona oeste, onde se concentram o maior contingente populacional e problemas urbanos e, de fato, a atual prefeita ainda não aportou obras relevantes para aquela região da cidade: Boa Vista é linda, mas as questões socioeconômicas colocam a cidade numa situação de encruzilhada (não de rotatória, muito comum aqui) em que tem que se tomar rumos sérios.

Fonte: Estados e Capitais do Brasil

Nesse sentido, o CAU-RR fez uma carta aberta aos candidatos a prefeitos e vereadores, que inspiraram a representação local. Vou falar pouco, serei direta e objetiva: Boa Vista é uma boa cidade, mas tem muito para melhorar. E digo mais: por falta de planejamento, gestão e governança que entenda a cidade, está piorando a passos largos desde que cheguei aqui.

Não posso ser cega a isso, então colaborei com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Roraima para a construção da Carta Aberta aos Candidatos a Prefeitos e Vereadores de Roraima.

Fonte: Museu Oscar Niemeyer

Oxalá possamos contribuir de fato pelas nossas cidades!

A vantagem de estar sempre vendo as coisas com distanciamento crítico e geográfico é também nunca estar em seu domicílio eleitoral: o que me garante o direito de não votar.

Cláudia Nascimento é arquiteta e urbanista, especialista em Semiótica e Artes Visuais, mestre em Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Patrimônio, Restauro e Tecnologia, professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima. Compõe o Colegiado Setorial de Arquitetura e Urbanismo do Conselho Nacional de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (CNPC/MinC).
** Clique aqui e leia outro texto de Cláudia Nascimento.