Por Éder Rodrigues[1]
Assim como em outros segmentos artísticos e
culturais, as pesquisas e os dados recentes do cinema brasileiro parecem ser desconhecidos
(propositalmente) de parte da classe política brasileira nas esferas do
legislativo e do executivo. As mais de 60 entidades que compõem o maior fórum
de discussão sobre audiovisual no Brasil, o Congresso Brasileiro de Cinema
(CBC)[2], há
muito tempo vêm cobrando ajustes nas políticas públicas para o setor e produzido
uma agenda contínua para discutir produção, distribuição, exibição, difusão,
preservação, formação de público, formação profissional e pesquisa em cinema no
Brasil.
O desinteresse de agentes públicos nos Estados e
municípios faz com que se enfraqueçam as políticas culturais construídas em
âmbito federal destinadas ao segmento. Tem responsabilidade também a própria
classe de realizadores e exibidores em suas regiões e Estados que, nesse
processo, muitas vezes desconhecem a própria força. A alternância de poder e qualificação
da representação das entidades de base são sempre bem vindas nesse processo
democrático de formação política. Aliás, o mesmo princípio serve para o
legislativo nacional e local.
Um exemplo dos números que podem ajudar nas
formulações de políticas públicas é a quantidade de festivais que ocorrem todos
os anos no Brasil, colocando o país como o recordista da América do Sul, de
acordo com o Fórum de Festivais[3]. No
entanto, ainda é preciso rever neste particular, por exemplo, a regulamentação
de direitos autorais e ampliar o apoio aos festivais consolidados e em processo
de consolidação, incluindo na pauta os Estados que estão ‘fora do grande eixo’
que desejam ingressar na cultura de festivais. É o caso de Estados da fronteira
Norte.
Para ampliar a discussão e formular políticas mais adequadas à realidade atual faz-se necessária a educação do olhar do gestor público para considerar os números e atender da melhor forma possível às demandas do cinema em todas as regiões do País. Neste sentido, temos assistido a criação de plataformas virtuais, nas esferas pública e privada, que socializam dados estatísticos e pesquisas importantes para aferir o mercado brasileiro, investimentos, audiência, mapeamento da produção, circulação de filmes e outras informações relevantes[4]. É claro que muitas delas se limitam a catalogar os dados ditos “oficiais”, como por exemplo, o impacto de filmes exibidos em conjuntos ou salas “multiplex”, desconsiderando os filmes independente, exibidos e discutidos em cineclubes, salas alternativas, pequenos cinemas, comunidades, favelas, lajes, universidades e na própria internet.
O Estado deve ser o protagonista nesse processo de
socialização das informações e das pesquisas, sem esquecer que a própria categoria
organizada precisa fazer sua parte também. Por isso, na perspectiva
governamental, é preciso insistir na reestruturação do Ministério da Cultura, a
partir da aplicação de um sistema de gestão compartilhada entre a Secretaria de
Audiovisual (SAv), a Agência Nacional de Cinema (Ancine), a Cinemateca
Brasileira e o Centro Técnico do Audiovisual (CTAV), valorizando experiências
exitosas, como, por exemplo, as ações de capacitação do Centro Audiovisual
Norte Nordeste (CANNE/FUNDAJ)[5], que tem
contribuído decisivamente nos últimos anos com a formação técnica de
profissionais. O luto momentâneo pela extinção do Ministério fez com que
artistas se mobilizassem e pressionassem o Governo até sua recriação,
devolvendo à Cultura o status de ministério. Por isso, tais discussões precisam
voltar à pauta.
O Estado tem papel decisivo no avanço das políticas
culturais para o audiovisual. No entanto, há algo que deve vir antes disso: a
contínua luta do segmento cinematográfico na defesa dos seus interesses em nível
internacional, nacional e local. Arthur Autran de Sá Neto, na sua tese
apresentada na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), intitulada “O
pensamento industrial cinematográfico brasileiro” (2004), já demostrou que historicamente
o cinema no País não se desenvolveu economicamente, em comparação a outras indústrias
culturais. Da regionalização de incentivos para a produção até a
circulação/comercialização do produto cinematográfico, o Brasil vive essa novela
sem fim.
As tentativas fracassadas para implementar uma
indústria do cinema, na imitação do modelo de produção de Hollywood (EUA), de
fato são estudadas por Sá Neto, bem como diversos outros autores e críticos
conhecidos no Brasil, como Jean-Claude Bernadet, Glauber Rocha, Alex Viany,
Paulo Emílio Salles Gomes, Maurice Capovilla, Gustavo Dahl, Silvio Da-Rín,
dentre outros. Desde os anos 20, as políticas protecionistas e de financiamentos
são meras tentativas governamentais de consolidação de uma indústria do cinema
no Brasil, que apenas ofereceram pequenos ‘surtos de industrialização’.
Acrescentamos aqui, mais uma vez, a importância da
militância da classe cinematográfica, uma vez que tais tentativas governamentais
parecem sempre descoladas das múltiplas realidades brasileiras. São decisões
tomadas em gabinetes, com cara de “consulta pública” ou “conferências
nacionais”. Talvez essa falta de “audição” explique o fracasso repetitivo. Aqui
não podemos esquecer a produção independente que luta por espaço, por meio da
revisão e ampliação da atual cota de tela em salas de cinema. Outra novela!
Os desafios do audiovisual são comuns a todas as
regiões do Brasil e a consciência de classe se torna fundamental. Claro que nos
Estados do Norte e Nordeste a situação da produção é mais agravante por uma série
de especificidades. No caso do Norte, onde está a Amazônia brasileira, fazer
filmes torna-se um desafio que exige muito mais fôlego. As distâncias (terrestres
e fluviais) são continentais, o clima é sempre uma surpresa, assim como a incidência
do sol e a depreciação dos equipamentos de filmagem.
Se os períodos de chuvas são intensos, ainda temos
as questões de fronteira geográfica. Filmar qualquer história nesses espaços
exige estar antenado às demandas de produção em lugares sem suporte rápido de pessoal
especializado ou tecnológico, considerando a contratação de uma boa equipe
local que conheça os desafios da região. Passos largos para a qualificação do
produto audiovisual podem ser dados por meio do esforço de vários atores,
incluindo o segmento organizado e as universidades, na criação de cursos de
graduação e pós-graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual no Norte do País,
que incentivem a pesquisa e as experiências de campo, incluindo recursos para programas
de extensão universitária em comunidades tradicionais. Assim, veremos outros
Brasis surgirem nas telas.
A luta pela defesa de uma proposta de repactuação
do segmento para ampliar a participação nas instâncias de decisões políticas
precisa estar na pauta do meio cinematográfico em todos os níveis, e com
embasamento. Sindicatos, associações, universidades, artistas de outros
segmentos culturais precisam se mobilizar cada vez mais no sentido de
compreender que o audiovisual é, sim, um grande instrumento pedagógico que revitaliza
o conhecimento e forma opinião. Esperar isso do Governo Federal é um risco.
Os números, positivos ou negativos, estão à nossa
disposição. Democracia audiovisual só faz sentido se tiver na base uma política
cultural pensada para todos. Para isso, precisa-se de planejamento. E claro, investimentos.
[1] Jornalista profissional, sociólogo, documentarista,
integrante da Rede Audiovisual de Roraima e membro da Associação Brasileira de
Documentaristas e Curta-metragistas (ABD&C - Curta Roraima). ederaudiovisual@hotmail.com
[3] Fórum de festivais: http://www.forumdosfestivais.com.br/
[5] CANNE/FUNDAJ: http://www.fundaj.gov.br/
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