quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Análise crítica: a cultura no plano de Governo de Antonio Denarium e Anchieta


De modo geral, o plano de Governo das duas candidaturas é vago quando o assunto é cultura.

Em ambos os planos, há uma ênfase na recuperação de espaços públicos culturais. Os dois citam textualmente a Casa da Cultura e o Teatro Carlos Gomes que, de fato, merecem atenção. E apontam como saída para a situação atual desses e de outros prédios a participação da iniciativa privada. Empresas, supõe-se. Nenhum deles usa o termo ‘privatização’. 

Ambos falam também em apoiar eventos culturais, o que, em si, não é negativo, desde que não signifique apoio somente a eventos. 

Ao ler os dois planos, a preocupação é que a política cultural do Governo de Roraima continue tendo como prioridade míope o investimento em grandes eventos, com, além disso, no máximo, reformas/restaurações de prédios públicos culturais abandonados pelas últimas gestões. E nada mais que não seja megaevento e prédio! 

Nenhum dos planos prevê textualmente ações de incentivo à cultura indígena, matriz fundamental da cultura de Roraima. 

Denarium é o único a propor textualmente: mudança na Lei Estadual de Incentivo à Cultura, efetivação da adesão de Roraima ao Sistema Nacional de Cultura, apoio ao etnoturismo e a programa de leitura. 

Anchieta é o único a propor textualmente: interação entre cultura e educação, fortalecimento do ensino de Artes nas escolas, estímulo a projetos culturais em comunidades vulneráveis, ênfase no público jovem, apoio a programas de formação de público para eventos culturais, editais culturais de chamamento público e valorização da cultura imaterial. 

Abaixo, análise mais detalhada de cada plano de Governo: 


Antonio Denarium (PSL) 

Vice: Frutuoso Lins (PTC) 
Coligação: PSL / PROS / PSC / PTC / PRB / PRP / PATRI / PPL 

Em resumo, o documento ‘Propostas de Governo’ da chapa encabeçada pelo candidato Antonio Denarium cita pretensões interessantes, mas é superficial nas práticas a serem empregadas para atingir os objetivos mencionados. 

O documento fala de reformulação da Lei Estadual de Incentivo à Cultura para ampliar a capacidade de participação empresarial no patrocínio de projetos artístico-culturais, mas não deixa claro que reformulações seriam essas nem como elas ampliariam a capacidade de participação empresarial no patrocínio de projetos. 

O plano menciona uso de espaços públicos como Casa da Cultura e Teatro Carlos Gomes, com participação da iniciativa privada, mas não utiliza termos como ‘privatização’ ou ‘parcerias público-privadas’ (PPPs). Não fica claro como será essa participação da iniciativa privada, que, supõe-se, sejam empresas privadas. Será somente financiamento pelas empresas? Também cogestão desses espaços? O plano do candidato não usa a expressão ‘patrimônio cultural’. 

Duas propostas apontam para a importância que a chapa dá aos eventos nos municípios: além de proposta de incentivo aos principais eventos dos municípios na preservação das culturas locais, o documento prevê a “criação de Grupo Técnico para formatação de projetos para Captação de Recursos na Esfera Federal e Empresas Multinacionais para fomentar a realização de eventos culturais em parceria com as prefeituras municipais”. Destaca-se que esta última proposta evidencia que a captação de recursos terá como foco a realização de eventos, com a criação de grupo técnico específico para conseguir verba para tais atividades, e nenhum outro fim.

Na proposta para “regulamentação e Execução da adesão de Roraima ao Sistema Nacional de Cultura, para ampliar as ações de parcerias com o Ministério da Cultura”, não estão claras que ações serão realizadas para regulamentar e executar a referida adesão. 

É citado ainda o “fortalecimento das ações de cultura já existentes, principalmente através das iniciativas associoativistas como pontos de cultura, grupos folclóricos e entidades representativas de segmentos artísticos-culturais”, mas não está claro como se dará efetivamente esse fortalecimento. Por meio de repasse direto de recursos? Por editais de seleção? Por meio de orientação gratuita de profissionais especializados em temas como gestão de projetos culturais, elaboração de projetos, prestação de contas, etc.? 

Outras propostas citam superficialmente a temática cultural. Uma pretende “viabilizar Incentivos fiscais às empresas de aviação comercial para ampliar a malha aérea de Roraima e articulação para implantação de um 24 vôo internacional”, visando atrair turistas para atividades de etnoturismo, entre outras. Desse modo, a única proposta do candidato que mais claramente se aproxima da cultura indígena refere-se unicamente a essa cultura como atração para turistas. 

A outra proposta que cita superficialmente a temática cultural fala em “realização de programas de leitura, pesquisa e incentivo a robótica para avanço no campo da ciência estratégica”, o que passa a ideia de que essa ação voltada à leitura será exclusivamente direcionada para a área da robótica ou, no máximo, será uma leitura para fins científicos. 

Como positivo, pode ser apontada a preocupação em aperfeiçoar a Lei de Incentivo à Cultura, efetivar a adesão de Roraima ao Sistema Nacional de Cultura, fortalecimento das ações de cultura já existentes promovidas pela sociedade civil, restaurar prédios públicos culturais e promover a leitura. 


Anchieta (PSDB) 

Vice: Abel Galinha (DEM) 
Coligação: PSDB / PSD / SD / DC / MDB / DEM / PPS 

O documento ‘Propostas de Governo’ da chapa encabeçada pelo candidato Anchieta não traz exatamente propostas. São princípios, o que, na maioria dos casos, não deixa claras as ações. 

São mostradas boas intenções da chapa, sem que se diga que práticas serão adotadas para concretizar, por exemplo, princípios como “interação entre cultura e educação”, “fortalecimento do ensino das Artes nas escolas estaduais”, “estímulo a projetos culturais em comunidades vulneráveis, com especial atenção ao engajamento dos jovens” e “apoio a programas de formação de público para eventos culturais”. 

Há uma ênfase em patrimônio, com quatro propostas referentes ao assunto, sendo que três delas fala em patrimônio material e/ou prédios, o que pode significar uma preocupação excessiva com os espaços físicos, em detrimento da política de uso desses ambientes e da manutenção das atividades cotidianas correlatas necessárias. 

Há duas citações ao público jovem. Uma como beneficiário da interação entre cultura e educação, o que seria decisivo “no processo de emancipação do jovem de Roraima, que vive numa sociedade multicultural”. O jovem também é citado como público cujo engajamento receberá “especial atenção” no estímulo a projetos culturais em comunidades vulneráveis. 

O plano restringe o “estímulo a políticas públicas que se articulem em torno dos desafios da formação, manutenção e difusão das atividades culturais” a editais culturais de chamamento público. Ou seja, o documento dá a entender que políticas públicas relacionadas à formação, à manutenção e à difusão de atividades culturais somente se dará por meio de editais públicos, excetuando-se casos específicos previstos em outras propostas. 

Além disso, não está claro se o termo “formação” acima se refere a curso, oficinas, etc. ou ao surgimento de atividades culturais. Portanto, não se pode dizer com certeza se o plano de Governo prevê formação cultural de artistas e produtores do segmento. 

O documento fala em “consolidação do conceito de parceria público‐privada, com responsabilidades compartilhadas”, o que parece estar restrito ao financiamento, ou seja, ao patrocínio, e não à participação de empresas na gestão de espaços públicos. 

O plano menciona como eventos “de maior significância da cultura regional”, que receberiam apoio “especial” a programas de formação de público, festas juninas e festival de fanfarras, além de um genérico “entre outros”. Eventos culturais indígenas não são citados textualmente como de maior significância da cultura regional. 

Como positivo, pode ser apontada a preocupação com a interação entre cultura e educação, o fortalecimento do ensino de Artes nas escolas, ações afirmativas na política cultural (junto a comunidades vulneráveis, com ênfase no público jovem), o apoio a programas de formação de público para eventos culturais, editais culturais de chamamento público, restauração de prédios públicos culturais e a valorização da cultura material e imaterial.

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