Depois de
uma vida a receber aplausos, a atriz Catarina Ribeiro resolveu ampliar seu
palco para onde todos fazem o espetáculo. Desde 2006, é coordenadora do ponto
de cultura A Bruxa Tá Solta. De lá para cá, coleciona diferentes papéis: brincante
na reisada do mestre Zé da Viola e no bumba meu boi do mestre Melancia,
aprendiz da tradição oral na Amazônia, gestora cultural, especialista em Gestão
de Cooperativas e MBA em Gerenciamento de Projetos.
Nesta prosa,
defende a construção das políticas públicas de culturas, com diálogo permanente
e participação popular efetiva, a atualização da Lei Estadual de Incentivo, a implantação
dos fundos estadual e municipais e o lançamento de editais para os segmentos culturais.
Também critica a gestão cultural pública focada na produção de eventos. Porque “o
vento leva”.
Conversar
com Catarina Ribeiro é ver florescer poesias, como “o segmento cultural é o
grande rio onde deságuam todos os igarapés da sociedade”. Mas só um desavisado não
perceberia se tratar de poesia que brota do chão, de quem pisa a terra com os
pés descalços. Para a gestora do terceiro setor, “é imoral se apropriar do
trabalho de terceiros sem ter contribuído nem com a presença” na audiência
pública histórica que culminou na conquista da emenda de um milhão de reais para
o orçamento da cultura.
Com vocês,
Catarina Ribeiro:
Dos palcos, você resolveu assumir
outro papel: a de “coletora” de memórias de saberes e fazeres populares do
interior de Roraima. O que representou esse ponto de virada na sua vida?
Ao sair
dos palcos, como atriz, eu ampliei o palco, a atuação e a verdade da minha
cena. Explico: o universo das culturas populares é arte o tempo todo e com
todos! Nos folguedos, nas expressões populares comunitárias, que é onde atuo,
não existe plateia: todos são brincantes. Todos participam, todos são partes do
espetáculo. Cada um agrega o seu talento ao espetáculo comunitário. A beleza
mais profunda nas expressões populares é a estética do afeto e a generosidade
comunitária. Isso é absolutamente encantador!
Sair do
palco da linguagem teatral representou me permitir ser as minhas raízes
populares, desde minha infância no interior do Rio Grande do Sul, ouvindo com
meu avô, os mestres Paydores e trovadores das três fronteiras nas rádios
Argentina. Representa fluir com tudo que bebe na fonte, toda a expressão raiz,
representa o privilégio das vivências com mestres e mestras dos saberes
populares e ancestrais, cheios de afetos e lindezas. A transformação foi
transcendental, a compreensão de um todo, da espiritualidade que existe em
tudo, representou ser com o outro, e a busca diária por ser mais generosa, mais
genuína, mais simples, ouvir mais e procurar sempre ter um olhar circular.
Tô no meu lugar e muito feliz!
O que a sociedade de Roraima tem
a ganhar ao conhecer as manifestações culturais que nascem longe demais das
capitais?
Ganha ao
saber quem é! Ao conhecer as referências culturais de que somos feitos. Somos
essa riqueza com contribuições culturais de todos os povos originários e mais a
presença de um Brasil inteiro dentro de Roraima. E ainda as influências de
nossas fronteiras... Isso tudo nos enriquece... É complexa a gestão de tanta
diversidade, mas também fascinante. Nós de Roraima não estranhamos sotaques,
pois ouvimos e falamos todos!
Um
exemplo dessa interação foi a descoberta que a reisada do assentamento
Anauá, do mestre Zé da Viola, tem similar na Venezuela, que são as Parrandas Navideñas, e que o povo macuxi
também tem um festejo natalino, danças e cantos na língua no período natalino
até o ano novo. São apenas três comunidades que são guardiões desses saberes.
São nossas andanças pelo interior que nos permitem chegar aonde estão estas
preciosidades. Pois a tradição oral só se deixa “descobrir” na confiança. E
confiança é plantada e cultivada na convivência!
Como aperfeiçoar continuamente a
Governança e o processo de políticas públicas de cultura cada vez mais
participativo, democrático e que atenda aos anseios e necessidades dos
cidadãos?
Diálogo permanente,
com ações efetivas decorrentes do diálogo. Não apenas para uma publicação
final, como é recorrente. O diálogo apontará os principais desafios, para
Governos, para os segmentos e para a sociedade, que também perceberá que a cultura
permeia tudo na vida do cidadão. Mas o segmento cultural é o grande rio onde
deságuam todos os igarapés da sociedade, e onde o segmento faz, ou tenta fazer,
a tradução estética das vertentes da sociedade. Exemplo: cultura e saúde,
setorial que dialoga com o segmento dos mestres nos saberes de cura, benzedeiras,
parteiras, raizeiros e outros tantos. Isso é cultura, e também é saúde, também
é patrimônio imaterial.
Outro
exemplo: cultura e utilização dos espaços públicos, ou cultura e cidade. Hoje
os novos terminais de ônibus de Boa Vista estão todos adesivados. Mas o visual
tem a ver conosco? Diz respeito às nossas identidades? A gente se reconhece
ali? Não. Mas se tivesse diálogo, com os segmentos, com a sociedade... Imagina
esses mesmos terminais em exposição permanente da arte urbana dos coletivos de grafiteiros?
O investimento ficaria no município movimentando a economia local e faria um
baita sentido para a população. A cidade se reconheceria na obra de seus
artistas.
Diálogo,
olhar circular, vontade e determinação política abrangente. Isso é complexo, dá
trabalho. Como não faz sentido para muitos gestores, então é melhor focar na
gestão “produtora” de eventos. Para nós, as políticas públicas para culturas
são o melhor caminho, mesmo com suas limitações.
Na sua opinião, que políticas
públicas de cultura de outros Estados poderiam ser adaptadas com sucesso à
realidade de Roraima?
As
experiências de conselhos de cultura com ampla participação da sociedade,
exemplo do Recife, onde tem sessões eleitorais nos bairros e a população elege
seus representantes. A criação da Câmara de Mestres, para opinar sobre as
políticas para as culturas populares e tradicionais. Porque mesmo que tenha as
cadeiras de culturas populares, afro e indígena, a diversidade do segmento é
muito grande. A Câmara de Mestres amplia a percepção e, se for uma gestão
comprometida, conseguirá planejar ações que atendam melhor. A adequada
implantação do Fundo Estadual e a criação e a implantação dos fundos
municipais. Política permanente de editais para todos os segmentos.
O que ainda precisa ser
aperfeiçoadas nas políticas de financiamento à cultura em Roraima?
Essa
questão remete à resposta acima: diálogo e compromisso com a participação
popular efetiva. É Impossível aprimorar um mecanismo de financiamento de políticas
públicas sem a participação efetiva do segmento.
Mas
falando de praticidade: hoje é atualização da Lei de Incentivo, que, já sabemos,
não atende de forma satisfatória, pela imensa dificuldade de captação. A
implantação do Fundo de Cultura com uma gestão altamente qualificada, com
ênfase na atenção aos segmentos.
A
implantação de uma política de editais ainda é a forma mais abrangente de
acesso a recursos. O Estado, e estou falando do Estado como esfera pública
estadual e municipal, precisa sair dessa condição, que entra ano e sai ano, de
“produtores oficiais de eventos”. E-Ventos, e o vento leva. Não se pensa na
formação. Por exemplo, o Teatro [Municipal] vai inaugurar. Qual é a política de
fomento que tem para os segmentos produzirem espetáculos e garantir a pauta
local? Isso já tinha que estar em plena produção, para, na inauguração do
teatro, ter pauta 2018 fechada. Mas essa falta de ação estratégica poderá ser
“creditada” na conta dos segmentos. Tipo: “não tem produção local. Vamos ocupar
com os caça-níqueis, que vem de fora”. E não fica um real na economia local.
Precisamos
também, como segmentos produtores, sair da zona de conforto só da crítica
e atuar de forma coletiva, nos qualificar como grupo de pressão e buscar as
diversas formas de financiamentos, a exemplo do que fez os Reagentes Culturais,
que articula uma série de realizadores de todas as linguagens e matizes políticas.
Foi ao Legislativo, fez o caminho com muito diálogo e conquistou uma emenda de um
milhão [de reais] alocado no orçamento da Secult, para que, por meio de editais,
os segmentos culturais tivessem acesso a recursos para realizar seus projetos.
Ficamos
frustrados com a incapacidade de diálogo da gestão da Secult, que, mesmo com uma
comissão de acompanhamento do processo da emenda tentando a mediação, o recurso
tomou outros rumos, em desrespeito total ao segmento e à Comissão de Cultura. E
a gestora com um discurso feio de legalidade! Sim, é legal a Secult aplicar o
recurso, já que a emenda não é impositiva. Mas é imoral se apropriar do
trabalho de terceiros sem ter contribuído nem com a presença como secretária na
audiência pública histórica que foi realizada na Assembleia Legislativa, com
três horas de duração e integrantes de 20 segmentos e mais de 70 pessoas numa
quinta-feira à tarde. Por isso, tudo passa por diálogo e compromisso político. Sem
essas qualidades, tudo está comprometido.
A série de entrevistas sobre políticas
públicas de cultura dá uma pausa estratégica. Tomemos fôlego para voltar a pôr o
papo em dia. Tomara que tenha sido bom para quem leu, tanto quanto foi para
quem disse ‘sim’ à prosa. Que esses prazerosos bate-papos não fiquem só por
aqui! Até mais.
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Parabéns minha amiga Catarina
ResponderExcluirQueria muito aprender com vc
Quando eu crescer quero ser igual a VC